Determinar o caudal de ponta de cheia com a fórmula racional

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A bacia hidrográfica sintetiza, à escala regional, a influência do relevo, da natureza das rochas, do clima, do coberto vegetal e da acção humana no comportamento dos seus cursos de água, pelo que se torna importante estudar não apenas as situações hidrológicas normais, mas, particularmente as situações extremas como são as cheias ou as secas (Teles, 2002).

As cheias são fenómenos naturais extremos e temporários, provocados por precipitações moderadas e permanentes ou por precipitações repentinas e de elevada intensidade. Não são apenas os factores naturais nomeadamente o clima, características dos solos ou cobertura vegetal que influenciam uma cheia mas também factores antrópicos como a impermeabilização dos solos, desflorestação, obstrução/ocupação e alteração de linhas de água.

Nos casos em que as chuvas forem particularmente intensas ou prolongadas, ou com ambas as características, o escoamento superficial poderá exceder a capacidade de vazão das linhas de água e transbordar do seu leito habitual, dando origem às cheias, com todos os seus inconvenientes (Lencastre e Franco, 1992).


São diversas as metodologias utilizadas para calcular o caudal de ponta de cheia em pequenas bacias hidrográficas, mas este artigo dedicar-se-á somente à fórmula racional por ser a de maior utilização e divulgação à escala mundial. Não sendo perfeito, é um método bastante simples que fornece resultados rápidos e bastante úteis para uma fase prévia de dimensionamento.
Para podermos aplicar este método é necessário conhecer a intensidade da precipitação, a tipologia do solo da bacia hidrográfica e o seu relevo. Para isso é necessário calcular o tempo de concentração da bacia correspondente a uma chuvada crítica, bem como da intensidade de precipitação associada ao tempo de retorno definido, e o coeficiente de escoamento como parâmetro que caracteriza o grau de impermeabilização da bacia.

Portanto, e com base na fórmula seguinte, o Caudal de Ponta de Cheia (Qp) é igual ao produto do Coeficiente de Escoamento (C), da água proveniente da precipitação que passa efectivamente na secção de vazão, com a Intensidade Máxima de Precipitação e pela Área (A) drenada pela secção em estudo.

Qp=C×I×A

A intensidade máxima de precipitação para determinada frequência de ocorrência e com duração igual ao tempo de concentração da bacia hidrográfica pode ser determinada com base na seguinte fórmula.

I=a×tc^b

Os parâmetros a e b são obtidos com base no anexo IX do Regulamento Geral dos Sistemas Públicos e Prediais de Distribuição de Águas de Drenagem de Águas Residuais.


A análise da precipitação pode ser realizada com os dados das estações meteorológicas disponilbilizados pelo SNIRH. Com os valores de precipitação podem ser gerados modelos de distribuição da precipitação como o apresentado na figura seguinte.
Figura 1| Mapa representativo da distribuição dos valores de precipitação média anual da bacia hidrográfica do rio Homem para o período de 1970 a 2000 utilizando o método de interpolação natural neighbourgh

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

Para analisar as cheias é fundamental calcular o tempo de concentração da bacia, tc, uma vez que a determinação dos caudais de ponta de cheia deve realizar-se para durações de precipitação igual ao tempo de concentração da bacia hidrográfica e com o período de retorno adoptado. O tempo de concentração é o tempo que decorre desde que a água precipita no ponto mais afastado da bacia até atingir a zona de vazão em estudo.

São diversos os métodos utilizados para calcular o tempo de concentração e, no quadro seguinte, são apresentadas algumas das fórmulas propostas.

Quadro 1| Fórmulas de cálculo do tempo de concentração

Para as podermos aplicar necessitamos do declive médio do curso de água principal da bacia; do comprimento do curso de água principal da bacia; área da bacia hidrográfica; altitude média da bacia; diferença de cotas entre as extremidades da linha de água principal e cota máxima e mínima do curso de água principal.

 

 

 

 

 

 


E finalmente temos de determinar o coeficiente C definido como a relação entre o volume de escoamento e a precipitação. Traduz a percentagem de água proveniente da precipitação que efectivamente vai passar pela secção de vazão em estudo. A restante parte é absorvida pelo terreno, evaporada ou armazenada.

Em consequência do efeito da variabilidade climática, o escoamento segue de um modo geral um comportamento semelhante ao da precipitação, mas com uma variabilidade regional mais acentuada, isto é, maior disponibilidade de água a Norte, descendo essa disponibilidade para Sul. O escoamento em Portugal Continental é caracterizado por uma acentuada sazonalidade, com cerca de 60% do escoamento anual médio a concentrar-se no semestre húmido. Este valor é ligeiramente mais baixo que a percentagem da precipitação anual que ocorre no mesmo período, o que pode ser explicado pela contribuição das descargas dos aquíferos que garantem o escoamento superficial durante os meses de Verão.

O coefiente C é função do período de retorno, aumentado com o aumento desse período, por forma a traduzir a diminuição das perdas de precipitação. Na tabela seguinte apresentam-se alguns valores de C que podem ser adoptados no projecto e, na figura 2 a delimitação, com recurso ao software QGIS, das diferentes tipologias de terreno numa bacia de recarga.

Quadro 2| Valores do coeficiente C da fórmula racional (Adaptado de Chow, 1964 in Portela & Hora, 2002)
Figura 2| Tipologia dos terrenos na bacia de recarga

 

Mas qual o objectivo de determinar o caudal de ponta de cheia, sem ser para efeitos puramente académicos? Para poder, por exemplo, avaliar se um determinado empreendimento pode agravar as condições de escoamento em situações de cheia ou, talvez mais importante, se o local escolhido é realmente o mais adequado e se estaremos a colocar em risco vidas e bens materiais.

Saudações hidrológicas

Jorge Oliveira

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