A Geologia e os Desafios Século XXI – Cemitérios

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A ocupação antrópica do Território assume múltiplas formas e pode ser mais ou menos intensa, consoante o ambiente seja urbano ou rural. Com efeito, é muito distinta a pressão e expressão da ocupação antrópica no meio se estivermos, por exemplo, numa zona remota da Mongólia ou numa metrópole como Londres. Os distintos usos e necessidades vão repercutir-se em todo o meio ambiente envolvente aos aglomerados populacionais. O subsolo, por maioria de razão, vai também sofrer a pressão da ocupação antrópica, particularmente na exploração dos seus recursos, de entre os quais assume preponderância singular a água subterrânea. É de conhecimento comum que desde os estádios iniciais da civilização, um dos critérios cardinais de selecção de locais para instalação de aglomerados populacionais foi precisamente a presença de água em quantidade e com qualidade para o consumo humano e utilização nas mais diversas actividades económicas. Também desde cedo (e porque na Natureza nada se cria nada se destrói, tudo se transforma) a influência da ocupação humana nos recursos se fez notar. No caso em apreço, o das águas subterrâneas, a preocupação de civilizações como a Egípcia ou a Romana (Para mencionar apenas os espaços geográficos conhecidos como Ocidente e o Médio Oriente) com a salubridade fez com que se desenvolvessem complexos sistemas de saneamento e esgotos.

Resistividade eléctrica em cemitério
Resistividade eléctrica em cemitério

 

A utilização de critérios (Hidro)geológicos e geotécnicos no Ordenamento do Território foi sendo feita de maneira mais ou menos empírica no decorrer do tempo longo. A Revolução Industrial marca decisivamente a tarefa de planear e ordenar o Território face à pressão decorrente das novas actividades económicas, cada vez mais intensivas e impactantes. Mas não é apenas a actividade económica e industrial e os resíduos por esta produzidos que influi no subsolo. Existem usos e equipamentos públicos que nos acompanham desde sempre (e são fatais como o destino…) que têm impacte directo no subsolo e afectam os recursos hídricos subterrâneos disponíveis.

Os cemitérios são um desses exemplos. Em culturas, tal como a nossa, em que se procede à inumação dos cadáveres houve sempre a necessidade de alocar uma porção de território para esse fim. Ora, como em tantos outros exemplos, por vezes esses espaços possuem as características desejáveis para o fim a que se destinam, com particular incidência nos parâmetros geológicos, hidrogeológicos e geotécnicos. A falta de avaliação prévia dos espaços destinados a esse fim (ou da ampliação de equipamentos já existentes), à luz desses parâmetros leva a situações menos desejáveis tanto do ponto de vista ambiental, como do ponto de vista social-cultural que não devem ser negligenciado pelos Planeadores. No limite podem surgir situações em que, simultâneamente, não é feita a decomposição dos cadáveres e existe contaminação de solos e aquíferos.

Existem já diversos estudos publicados e que se debruçam sobre esta questão. Neles é atestado que quando a mesma não é endereçada adequadamente se pode transformar num problema grave de Saúde Pública (Junte-se a isto os fenómenos como as ondas de calor e fraca pluviosidade…). As características do subsolo aliadas à densidade populacional e ao desenvolvimento urbano dos vales do Cávado e Ave, tornam esta região especialmente sensível. Existem assim duas abordagens a ter; uma primeira, mais desejável, de carácter preventivo e menos oneroso que consiste na selecção de locais próprios para instalação de cemitérios segundo critérios geológicos, ademais de outros. No que concerne particularmente às captações de água para consumo humano, o Decreto-Lei 382/99 de 22 de Setembro enquadra e estabelece a critérios de exclusão para a instalação de cemitérios, cuja implementação verte directamente para os Planos Directores Municipais, que regem o uso do Território nos Municípios (e a gestão dos cemitérios cabe na alçada dos Municípios).

georadar em cemitério
georadar em cemitério
A prospecção de terrenos adequados deverá ser orientada para locais com as seguintes características basilares: solo com natureza arenosa, nível freático/piezométrico baixo, elevada profundidade de bedrock e sobretudo uma permeabilidade adequada. A inventariação de pontos de água é também um item a contemplar, de modo a prever a implementação de programas de monitorização analítica de água subterrânea, para marcadores específicos de decomposição de cadáveres.

As metodologias a utilizar são diversas e complementares, partindo sempre da cartografia geológica de pormenor e subsequente implementação de estudos alicerçados na prospecção geofísica e mecânica. A caracterização de um dado local através destes métodos irá permitir a sua classificação quanto à aptidão para instalação de cemitérios, permitindo um planeamento eficaz do seu uso futuro.

As consequências ambientais decorrentes da localização de cemitérios em locais inadequados prendem-se, a montante, com deficientes condições de drenagem de águas subterrânea e por outro lado com inadequação dos solos (por exemplo solos com elevada percentagem de argila originam fenómenos impeditivos da eficiente decomposição dos cadáveres inumados).
Ensaio de permeabilidade em cemitério

A segunda abordagem prende-se com a beneficiação de locais inadequados e a promoção de medidas preventivas, tais como o rebaixamento do nível freático/piezométrico por drenagem natural (preferível) ou por bombagem e a substituição de solo adequado por aterro adequado, no caso de o bedrock se encontrar próximo da superfície e o solo original não tiver as especificações apropriadas para a inumação de cadáveres.

Por último, a remediação de problemas existentes por inadequação dos locais seleccionados é sempre possível embora seja custosa a nível financeiro e mais impactante a nível cultural e ambiental. A instalação de sistemas de drenagem e de substituição de solo são geralmente as medidas mitigadoras mais convencionais mas, também neste caso, é necessária uma análise casuística alicerçada na abordagem prospectiva multidisciplinar que engloba as disciplinas da Geologia, da Hidrogeologia, geofísica, geotecnia e topografia, para mencionar o elementar.
Bruno Pereira

Geólogo e sócio gerente da Sinergeo

Sugestões de Leitura:

OLIVEIRA,  R  (2009)  –  Cemitérios:  Impacte  nas  Águas  Subterrâneas.  Tese  de  Mestrado. Universidade de Aveiro

(Elegia Nº 4 – Geologia e cemitérios da Associação de Agentes Funerários do Centro)

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